O mercado de garantia de obrigações de contratos com os órgãos públicos vem sendo negligenciado pela emissão de cartas de fiança por consultorias financeiras, nas contratações de obras, serviços e compras da Administração Pública. A prática infringe a Lei das Licitações (8.666/93), que prevê como requisito para a participação de licitações públicas, a aquisição de garantias fornecidas apenas por bancos. O Segurogarantia.net apurou pelo menos, seis empresas, que sem possuir o registro bancário exigido, oferecem a chamada garantia fidejussória.

Segundo o advogado e especialista Gladimir Adriani Poletto (foto), entre as três modalidades de garantia exigidas pela lei para assegurar o cumprimento de obrigações contratuais, a fiança bancária pode ser oferecida somente por bancos devidamente aptos a operar, isto é, registrados em todos os órgãos competentes, inclusive, no Banco Central do Brasil. “O artigo 56 da Lei 8.666/93 comanda as hipóteses de garantia de forma exaustiva de modo que é totalmente clara a determinação quanto à aceitação da fiança bancária. Cabe ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia: caução em dinheiro ou títulos da dívida pública, seguro-garantia ou fiança bancária”.

Nessa linha, Poletto explica que a fiança bancária é uma garantia fidejussória com regramento próprio, ou seja, deve ser interpretada de acordo com o artigo 818 do Código Civil e as normativas do Sistema Financeiro Nacional. Dessa forma, os órgãos públicos ao aceitar outros tipos de fiança, o fazem em desacordo com a lei. “Todos os órgãos da Administração Pública, autarquias e empresas públicas em geral estão subordinadas à Lei das Licitações, logo, é defeso aceitarem cartas de fiança de qualquer instituição que não esteja autorizada pelo Banco Central para tanto”.

Em levantamento feito pelo Segurogarantia.net as empresas Maxximus Merchant Bank, Banco dos Estados S/A, Profit Bank S.A, Alpha Merchant Bank LTDA, Fundo de Microcrédito Rotativo Caixa Social, Besty Merchand Bank (BMB), apesar de constarem em suas razões sociais nomenclatura própria de instituições financeiras, não estão autorizadas a operar como tal, e mesmo assim, foram identificadas como fornecedoras de cartas de fiança não bancárias para órgãos como a Fundação Oswaldo Cruz, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), Prefeitura Municipal de São Francisco do Conde, Ministério da Saúde, Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), além da estatal Petrobras, que apesar de não ser um órgão público, tem uma normativa interna que segue a Lei 8.666/93 .

Ao consultar o registro das organizações através da área “Fale Conosco” do Banco Central, o Segurogarantia.net obteve a confirmação de que tais instituições mencionadas não constam como autorizadas pela autarquia federal, conforme resposta emitida pela Gerência Executiva de Comunicação. “Informamos que não consta do cadastro de instituições autorizadas a funcionar por este Banco Central, nem do cadastro de correspondentes no Brasil de instituições autorizadas a funcionar por este Banco Central, os nomes e os CPFs perguntados. Também não consta do cadastro de instituições estrangeiras com representação no Brasil os nomes e CPFs em questão”.

Órgão público se nega a falar do assunto

O Segurogarantia.net entrou em contato com as empresas mencionadas, que retornaram com as seguintes declarações:

O diretor da Alpha Merchant Bank LTDA, Sandro Romano se recusou a dar qualquer declaração sobre o assunto, em sua resposta por email. “A minha empresa, tem o dever de sigilo e privacidade com seus clientes, por isso me reservo ao direito constitucional de não responder as suas perguntas”.

Na mesma linha, o diretor Comercial DFB Corretora de Seguro Garantia Jeremias Lima, empresa que teria feito a intermediação da proposta da carta de fiança da Alpha Merchant Bank LTDA, declarou que faria uma análise do documento juntamente com o preposto responsável, mas se omitiu a dar demais depoimentos. “Com relação às demais perguntas não tenho conhecimento do tema, logo, não tenho como te auxiliar nas repostas”. A cotação no valor de R$ 659.778,72, feita em maio de 2012, teria como segurado a Prefeitura Municipal de São Francisco do Conde.

Assim como o representante regional do Maxximus Merchant Bank, Henrique de Magalhães e Souza – nomeação exibida na página online até pouco tempo – afirmou por sua vez, não possuir laços comerciais com a referida companhia. “Fico surpreso com esta informação que desconhecia, pois nunca tive qualquer relação comercial ou de representação com esta instituição”, diz. A organização teria emitido em abril de 2011 uma carta para a Fundação Oswaldo Cruz, garantindo a prestação de serviços de suporte tecnológico, desenvolvimento de sistema e rede no valor de R$ 34.044,82.

Já o gerente de Administração Geral do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), Ricardo Soneghet, que foi beneficiado com a garantia do Banco dos Estados S/A em dezembro de 2009, alegou desconhecer o fato afirmando não poder se pronunciar sem antes analisar os documentos. Os mesmos foram enviados por e-mail, mas até o fechamento da matéria, nenhuma resposta havia chegado à redação. A carta tem como tomador a Transegur – Segurança e Transporte de Valores LTDA e prevê o limite de R$ 8.434,80.

Petrobras também aceita a modalidade

Até mesmo a líder do setor petrolífero brasileiro, a Petrobras, também favorecida por um documento de garantia, se negou a falar do assunto e sugeriu que a questão fosse tratada diretamente com a Profit Bank S.A., instituição responsável por emitir a carta de mais de R$ 3 milhões em janeiro de 2012.

É importante destacar que a contratação da carta fiança por órgãos privados não é proibida. No entanto, a operação considerada como financeira pelo Banco Central do Brasil, compromete as linhas de crédito do tomador, ou seja, consome o limite da empresa que poderia utilizá-lo em atividades como antecipação de recebíveis e capital de giro.

Na avaliação do jurista, a falta de cautela por parte da Administração Pública com a aceitação das cartas pode refletir em despesas posteriores para os cofres públicos. “Esse tipo de carta de fiança pode não honrar o cumprimento do contrato na mesma forma com que um banco honraria. Caso ocorra o descumprimento do contrato, por exemplo, uma vez que não possuem o lastro financeiro, essas empresas podem causar prejuízos ao Estado. Na hipótese de inexecução da obra, as instituições públicas ao não receber os valores garantidos pela carta fiança, certamente, terão que recorrer aos cofres públicos para a completude dos projetos, consequentemente, tal fato determinará prejuízos à coletividade”, frisa Poletto.